De cadeira de rodas e a botinha de proteção no pé direito, o atacante Kleber visitou o vestiário do Olímpico pouco antes do jogo do Grêmio contra o Avenida na quinta-feira e foi o centro de uma rodinha formada pelos companheiros. Uma rodinha animada, diga-se. Os colegas brincaram, ele respondeu humorado e o ambiente ficou entre o bom astral e a comoção. Era apenas o quinto dia desde a lesão do ossinho do tornozelo no domingo, diante do Cruzeiro. Faltam cerca de 120 dias até a recuperação e nem esse tempo enorme parece afetar a cabeça de Kleber. A maioria dos lesionados, porém, fica desestabilizado.
No vestiário do Grêmio estava o ex-volante Emerson, hoje auxiliar da comissão técnica. Observou Kleber e concluiu: a reação sorridente do atacante é bem mais tranquila do que a que ele sentiu ao sofrer a ruptura do ligamento cruzado no jogo contra o Brasil de Farroupilha, na primeira rodada do Gauchão, em fevereiro de 1995. Corriam nove minutos de jogo quando Emerson foi atingido por um outro volante, Pedrinho, e as dores no joelho o tiraram do time do técnico Luiz Felipe. Aos 18 anos, recém desembarcado do Sul-Americano de Juniores, na Bolívia, Emerson desabou. Ficaria o restante do ano sem jogar.
— Eu era um garoto, me desesperei, não tinha a cabeça adulta do Kleber, que já sabe como dar a volta por cima — disse Emerson.
Mesmo a um experiente é difícil aceitar, admite o médico Carlos Poisl, do Inter. Em um dia a pessoa é exemplo de saúde; no outro, é um imobilizado. A medicina e a ciência do esporte não permitem mais a figura do inutilizado ao futebol, mas o temor recai sobre as lesões com maior tempo de recuperação, como o rompimento do ligamento cruzado do joelho.
— Quando o jogador reza ao santinho no vestiário, eles pedem pela saúde dos filhos e para que não haja lesão de joelho e tornozelo — comentou um fisiologista que não quis se identificar.
Com a maior velocidade do futebol, os choques mais frequentes e a batida mais impactante, aumenta a incidência de traumas em uma proporção ainda não estimada pelos clubes. Na lesão do Kleber, por exemplo, o zagueiro Léo Carioca, do Cruzeiro, chegou ao lance em extrema velocidade e provocou a fratura no adversário com a sua caneleira.
— Sim, bati no tornozelo do Kleber com a caneleira: acho que ele sabe disso porque me absolveu na hora — disse Léo Carioca.
A ironia de tudo é que os jogadores odeiam caneleira e só a usam obrigados por cartilhas internas dos clubes.
Num dos casos mais impactantes da história do futebol gaúcho, Rodrigo Caetano, hoje supervisor do Fluminense, sofreu ruptura do ligamento do tornozelo, fratura do perônio e luxação da tíbia em jogo do seu então Brasil de Farroupilha contra o Inter, no Beira-Rio. Não bastasse isso, no outro dia, a 7 de julho de 1997, viajaria para Espanha. Aos 27 anos, tinha contrato com o Compostela, o que era uma loteria entre os jogadores gaúchos, principalmente entre os do Interior. Na hora da viagem marcada, Rodrigo ainda estava sendo medicado no Hospital de Pronto Socorro.
— Por mais que fosse fatalidade, por mais experiência que tivesse, foi muito difícil aceitar. Só me mantive com crença porque em seguida após a cirurgia fui amparado pela família e amigos em Santo Antônio da Patrulha — contou Rodrigo.
Foi em lance com o ex-volante Fernando, do Inter, que se deu a lesão. Essa relação entre lesionado e adversário revela um padrão: em geral, a vítima perdoa, talvez por não entender direito como aconteceu o lance ou em nome de uma ação corporativa. Rodrigo isentou de culpa Fernando, que o visitou em Santo Antônio e com frequência trocaram telefonemas.
— Ao mesmo tempo em que o carinho de Fernando me fazia relembrar do lance, eu me sentia mais fortalecido, e logo ia para os exercícios — confessou Rodrigo.
Á época, mesmo mais novo, Emerson
A situação não foi tão amistosa no caso do zagueiro Pinga. A lesão aconteceu no Gre-Nal que deu o tricampeonato gaúcho ao Grêmio, em julho de 1987. Logo a 1m20seg de jogo, o ponteiro Fernando se envolveu em choque com o colorado. Do banco do Inter, o técnico Ênio Andrade gritou:
— Quebrou a perna!
Foi quase isso. A ruptura dos ligamentos do joelho foi total. Fernando saiu em ataque, Pinga, em cobertura, deu um carrinho, Fernando pulou e caiu sobre o joelho do adversário. A comoção foi geral no Inter, que acusou Fernando de ter pisado de propósito no joelho de Pinga. Os dirigentes queriam fazer ocorrência na polícia, mas o jogador não permitiu. Além do joelho, distendeu o nervo tibial. Fernando tentou visitá-lo no Hospital da PUC, depois da cirurgia, mas desta vez foi a família quem não permitiu sua presença.
— Não acho que ele foi desleal e não o condenei por jamais ter me ligado — disse Pinga.
Mais: o zagueiro perdeu a sensibilidade do joelho para baixo. Correu a notícia de que ficaria paralisado. Pinga chamou os médicos apavorado com a informação estampada em um jornal de Porto Alegre:
— Por que vocês não me dizem a verdade?
A verdade é que não sabiam das consequências. Logo Pinga conseguiu mexer com os membros inferiores, mas a recuperação se estendeu por longos dois anos e três meses, até voltar a jogar pelo São José, de Porto Alegre. Logo jogaria no Corinthians e até foi convocado para um amistoso da Seleção Brasileira.
— Eu chorei muito. Apesar da presença da família, não conseguia suportar aquela sorte. O que ia fazer em casa senão pensar naquele lance?
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