De calça jeans, camiseta e tênis, Victor estava distante mais de 15 quilômetros do Olímpico, ainda no condomínio onde mora na Zona Sul de Porto Alegre. Mas bem que poderia estar no estádio do Grêmio, à espera de mais um treino. Mesmo sem luvas e chuteiras, o assédio não para. Bastou descer do carro para ser abordado por um vizinho, camiseta vermelha e todo sorrisos.
- Esse é colorado - avisou Victor, também bem-humorado, antes da entrevista.
Embora do time rival, o torcedor estendeu a mão ao goleiro gremista. Dava-lhe os parabéns em menção à medalha recebida da Brigada Militar, no dia anterior, pelo envolvimento desse paulista de Santo Anastácio com a comunidade do Rio Grande do Sul. E esse jeito gaúcho vai fazer ainda mais sentido na tarde deste sábado. A partir das 16h, quando ingressar no Olímpico, aí sim, de luvas e chuteiras, chegará à marca de 250 jogos pelo Grêmio.
- Não era algo que eu imaginava, quando vim para cá - confessa Victor, que estreou no clube em 19 de janeiro de 2008, contra o 15 de Novembro, pelo Gauchão. - Me sinto muito feliz por essa marca, mas espero que seja apenas o começo.
Victor justifica esse entusiasmo de iniciante mesmo com tantas partidas no currículo. Reitera que "cada jogo tem um sabor especial" e que ainda persegue um título em nível nacional pelo clube no qual conquistou por duas vezes o prêmio de melhor goleiro do Brasileirão.
Usa como exemplo o seu passado. Em 2005, era reserva do Paulista, campeão da Copa do Brasil. Lembra que ninguém acreditava na equipe interiorana num torneio de tamanha dimensão. Foi justamente após eliminar nas oitavas de final o seu maior rival de hoje, o Inter, que Victor sentiu que poderia levar para a taça para Jundiaí.
Que eu seja bi da Copa do Brasil, e o Grêmio, penta - sorri.
Ainda no interior de São Paulo Victor aproveitou as poucas brechas da frenétia profissão para se formar em Educação Física. No trabalho de conclusão, escolheu, claro, falar sobre o treinamento de goleiros. Numa das disciplinas do curso, viu despertar o gosto pelo golfe. Em viajens da Seleção, chegou a travar duelos com o também goleiro Julio Cesar num hotel, em Salvador. Com humildade de iniciante, aponta o craque no esporte.
- O Ronaldo joga muito - elogia, para depois se dividir entre goleiro e golfista, profissão e hobby:
- O golfe pode ajudar na concentração, exige movimentos precisos e refinamento técnico.
Enquanto tenta buscar espaço para começar as aulas de golfe na escola do condomínio, Victor aproveita o tempo livre que lhe resta com a esposa Gisele e seus cachorros. Tem dois. Um salsicha, a Alicia, e um Weimaraner, chamado Ully. Há ainda um terceiro, a vira-lata Pretinha, resgatada das ruas e que será dada de presente para uma funcionária da família
Victor gosta tanto de animais que os atrai. Após acostumar alguns patos com comida à beira do lago, por vezes se surpreende com a visita dos bichos até a porta de sua casa, sempre famintos. Como se vê, não é difícil notar que o goleiro titular do Grêmio tem o seu canto, o seu refúgio, um lugar em que não quer saber de luvas nem defesas. O próprio admite. É um desafio fazê-lo sair de sua casa, convenientemente tingida de azul.
- Para me tirar de lá, tem que ser algo importante. Sou tranquilo, do interior, até meio bicho do mato - confessa. - Gosto de caminhar com a minha esposa, os meus cachorros...
Em meio à paz do verde espalhada em centenas de hectares e com o canto dos quero-queros como trilha sonora, Victor diz se inspirar. Encontra um pouco do gosto do interior que deixou para trás em busca do sonho de goleiro. Ainda bem jovem, atuava como pivô no futsal. Aos poucos, a estatura elevada (hoje, mede 1m94cm) o levou a recuar até o repouso sob as traves.
- Eu ficava brincando de goleiro depois dos jogos, acabei ficando - recorda.
Desbancou outros 15 garotos em uma peneira do Guarani, aos 14 anos. No fim das contas, quem o buscou foi um olheiro do Paulista, que assistira ao treino. Ao se despedir da familia em Santo Anastácio, lembra que sequer olhou pela janela do ônibus. Não queria ver o semblante aflito dos pais, que o apoiavam incondicionalmente, mas, pais que eram, já sentiam a distância do filho. O nome do olheiro, Victor jamais esqueceu. Cidão.
- Tenho contato com ele até hoje - conta, orgulhoso.
Dono da pequena área do Grêmio há quatro anos e três meses, admite que precisa ser flexível em casa. Gosta de sertanejo, do cantor Daniel, mas acaba ouvindo também bastante MPB e rock nacional, preferências da esposa. Outro som que costuma lhe fazer bem é o incentivo do torcedor. Muito por isso, está ansioso com a construção da Arena, o futuro estádio do clube, a ser finalizado em novembro.
Coloca inclusive como um de seus planos prioritários atuar na Arena. Tempo para isso ele tem. Seu contrato só expira em 2015. Para o goleiro, compromisso longo não é amarra. Pelo contrário, vira motivação. Diz que não gosta de viver como um andarilho da bola.
- Penso que um atleta tem que fazer história num clube - defende.
Aos poucos, de jogo em jogo, ano após ano, Victor, 29 anos, começa a superar marcas. Foram as 100, depois 200, agora as 250 partidas pelo Grêmio. Não quer impor metas ou mais recordes. Sequer tem a obsessão de superar Danrlei, dono de 594 jogos pelo clube. Para tanto, precisaria, pela sua média atual de 60 partidas por ano, mais cinco anos e dez meses vestindo azul.
sábado, 21 de abril de 2012
Aluno no golfe e fã de bichos, Victor celebra 250 jogos: 'Apenas o começo'
16:15
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Apesar de se considerar distante de Danrlei em termos de temperamento, Victor encontra semelhanças com um dos históricos goleiros do clube. A vontade de vencer, garante, é a mesma.
- Acho que essa coisa de querer abraçar a causa do clube. Quando perde, se inconforma, fica chateado... Essa coisa de dar a vida pelo clube, se precisar manchar de sangue a camisa pela vitória - compara.
Nos bastidores, Victor também usa a sua experiência - é o jogador com maior número de partidas no atual elenco - para ambientar os recém-chegados ao vestiário do Olímpico. Conhecer a história do clube, a "mística" do estádio e a forma como a torcida gosta de ver o time em campo faz de Victor uma espécie de guia para os mais novos.
- É uma responsabilidade positiva - comemora.
Compromisso do qual Victor tampouco se esquiva fora de campo. Afinal, além do cumprimento do vizinho colorado, precisou interromper a conversa ao menos duas vezes para conceder autógrafos. A caneta falha? Tudo bem, assina de novo, sem pressa nem atropelos. Assim como costuma conduzir a sua carreira. Passo a passo, jogo a jogo.
Onde então termina o atleta dedicado ao clube, o goleiro recordista e começa o pacato morador de alma interiorana, aprendiz de golfe e fã dos bichos? Na verdade, não parece haver divisão. O segredo da vida longa, tanto no Olímpico como em Porto Alegre, aponta para isso. Será um só Victor à vista de todos, às 16h deste sábado, para defender o Grêmio pela 250ª vez.
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